A comunidade escolar e a pedagogia engajada

Dentre os temas tratados pela pensadora bell hooks, um dos principais é, sem dúvidas, a educação. Ativista social, feminista e antirracista, a autora defende a pedagogia engajada, a qual teria como objetivo a liberdade de todos aqueles envolvidos na prática pedagógica. Para tal, a construção de uma comunidade escolar democrática se faz necessária. Se opondo às tradicionais posições professor-aluno, a qual muitas vezes possuem uma relação de subordinação, a autora propõe que ambas as partes, para atingir uma prática libertadora de ensino, assumam novas posições. Os alunos, primeiro, que estejam abertos a novas formas de aprender, desprendendo-se assim da tradição hierárquica de ensino. Os professores, por sua vez, que “saiam de trás de suas mesas”, como elabora bell hooks. Explicando: para exercer a liberdade, é necessário que se desfaça do autoritarismo muitas vezes colocado ao professor. É preciso, portanto, colocar-se de outra forma na sala de aula, fomentando o diálogo e atuando de maneira propositiva e criativa. Assim, os alunos serão providos também de autoridade, de responsabilidade e, sobretudo, de voz.
A influência para bell hooks, neste ponto, é clara. Paulo Freire, que também teve seu trabalho influenciado pela autora, é fundamental para pensarmos a comunidade escolar. O brasileiro, assim como hooks, defendia enfaticamente uma prática libertadora do ensino e uma pedagogia que tivesse como fim a liberdade e a autonomia. Para tal, Freire também defendia que os professores saíssem de trás de suas mesas. Para fomentar o diálogo, prover os alunos de voz e atuar de maneira propositiva, a simples transmissão de conhecimento seria insuficiente. A educação bancária, portanto, em que os alunos assumem uma posição passiva na sala de aula, sendo meros repositórios de conhecimento, afasta a concretização de uma educação libertadora e de uma comunidade escolar democrática. Mais do que transmitido, o conhecimento deve ser produzido entre aluno e professor. Em sala de aula, torna-se necessária a adoção de uma posição horizontal, onde o diálogo se torna possível e os alunos, antes meros coadjuvantes, tornam-se protagonistas na sala de aula.
Nesse sentido, baseamos a nossa intervenção sob o pensamento da prática libertadora de ensino.. A dividimos em duas partes. A primeira consistia na reconstituição, por parte dos alunos, da história da escola, no caso a Escola Estadual Vilagelim. Dividimos os alunos em 4 grupos, formados de forma aleatória, em que cada grupo responderia uma pergunta específica. Eram elas, respectivamente:

A) Quando e porque a escola foi criada?
B) Quem foi Vilagelim?
C) Que fato marcante aconteceu na escola?
D) Quando e por que o professor Rodolfo (professor que acompanhamos durante as aulas) começou a dar aulas no Vilagelim?

Como suporte aos alunos, imprimimos e deixamos disponíveis diversos documentos históricos envolvendo o colégio; desde fotos antigas, passando por recortes de jornais até registros do Estado de São Paulo. Nem todos, no entanto, estavam ligados às perguntas. Procuramos, como isso, emular uma busca em arquivo, onde nem todos os documentos servem às questões levantadas.
Os resultados dessa primeira parte foram surpreendentes. Para além do engajamento praticamente geral da turma, alguns dos meios que os alunos usaram para responder as perguntas contrariaram nossas expectativas. Enquanto esperávamos que os grupos 1,2 e 3 se utilizariam do material disponibilizado, apenas o primeiro fez uso dos documentos. O segundo, ao invés das 2 páginas impressas sobre a biografia de José Vilagelim, se utilizou da pesquisa na internet. O terceiro, por sua vez, foi por um caminho ainda mais surpreendente. Esperávamos que, ao buscar nos documentos impressos, os alunos se deparariam com uma notícia relatando um caso de vandalismo na escola, utilizando isso para responder a questão. No entanto, os estudantes se utilizaram da própria memória e vivência para citar alguns fatos marcantes do colégio. Assim, relembraram desde um projeto de revitalização do espaço escolar, em 2017, até um dia que um dos colegas, para impressionar uma garota, saltou do segundo andar do prédio onde estão as salas. O quarto grupo, por fim, se utilizou do relato, entrevistando o professor Rodolfo para responder à questão, algo já esperado por nós.
Busca em arquivo, pesquisa, memória e relato: tudo isso utilizam os historiadores para fazerem seu ofício. Após cada grupo apresentar sua resposta, ressaltamos que o que os alunos acabaram de fazer era o trabalho de um historiador. Dessa forma, tomaram parte ativa na reconstrução histórica do colégio, produzindo um conhecimento de forma autônoma, livre e criativa. Nós, os professores, o ajudamos na medida em que precisavam de auxílio, sem impor, no entanto, caminhos a serem seguidos ou respostas a serem obtidas. Os alunos foram, nesse sentido, os protagonistas da aula. Isso não passou despercebido por parte dos estudantes, os quais enfatizaram o quão positivo foi conhecer novos fatos sobre a escola e, principalmente, ter uma ação ativa dentro da sala de aula.


Para além disso, tínhamos como objetivo fazer com que os alunos se sentissem parte da comunidade escolar. Ressaltamos, após a primeira parte da intervenção, que a história da escola, mais do que apenas reconstruída, também foi e segue sendo construída pelos estudantes. Em outras palavras, enfatizamos que os estudantes eram parte ativa na construção da comunidade escolar e, sobretudo, que o espaço da escola também os pertencia. A intenção desses comentários era, para além de reiterar a importância dos alunos enquanto sujeitos ativos no espaço educacional, também criar um espaço de escuta, em que eles pudessem dialogar e falar, sem barreiras, o que pensavam do ambiente estudantil. Perguntamos, assim, quais eram os pontos positivos e negativos na vivência deles como estudantes.
Sobre os pontos positivos, ressaltamos dois. Primeiro, os professores. Os alunos foram muito elogiosos à atuação dos docentes, reconhecendo o esforço e os resultados da maior parte dos educadores na tentativa de construir uma comunidade escolar democrática. O segundo ponto positivo veio por parte dos professores presentes durante a nossa intervenção. Por meio de um discurso emocionante, eles enfatizaram o quão positiva é a integração entre o ensino básico e a universidade e como essa troca pode dinamizar e atualizar, em ambos os lados, práticas e formas de ensino e aprendizagem já ultrapassadas. Exaltaram, nesse sentido, programas como o PIBID, que levam alunos da licenciatura para o chão da escola, incentivando-os a práticas docentes inovadores e propositivas.
Já sobre os pontos negativos, tanto alunos como professores ressaltaram os mesmos: a injustiça e o autoritarismo. Por um lado, os assédios morais — advindos, por vezes, do próprio Estado —, as metas inalcançáveis impostas pelas instituições de fiscalização e a limitação da prática docente fazem com que os professores se sintam cada vez mais frustrados e impedidos de exercer sua profissão com liberdade. Isso, claro, respinga nos alunos, que cada vez mais se queixam das aulas, das decisões por parte dos colégios e de um ambiente escolar hostil. A frustração dos professores, com isso, soma-se ao desinteresse crescente dos alunos, resultando em uma sala de aula inapta. Isso, por sua vez, só pode aprofundar os processos de injustiças e de autoritarismos, os quais, sem dúvidas, cresceram nos últimos anos.


Seja dos professores e da escola em relação aos alunos, seja do Estado em relação aos professores, o ambiente do ensino básico, ao que parece, está cada vez mais afastado daquele defendido por bell hooks e por Paulo Freire. No entanto, os autores nos mostram que o caminho para ela não está fechado. É por meio de uma pedagogia engajada e libertadora que se pode construir relações horizontais, em que tanto os professores quanto os alunos se sintam parte e constituam o espaço da escola. Como dito por Paulo Freire, “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar”. Como participantes do Pibid e futuros professores, ficamos extremamente felizes em poder dar um pequeno passo a mais rumo a constituição de uma comunidade escolar democrática.

Texto redigido por Luiza Trevenzoli e Pedro Baruch

*Rostos censurados por questão de permissão de imagem

Deixe um comentário