Racismo e Resistência na desconstrução do Mito da Democracia Racial (PIBID 2023)

Apresentar em sala de aula o tema do racismo não é uma tarefa fácil, posto que o assunto, além de ser delicado, pode gerar gatilhos nos alunos e discussões acaloradas em sala, trazendo polêmicas e opiniões que podem ser problemáticas. No entanto, mesmo com alguns percalços, é de extrema importância que esse assunto seja abordado de maneira adequada e crítica, a fim de que os discentes sejam capazes não só de entender como esse tipo de preconceito hediondo existe e se mantém no país, como também sejam capazes de identificá-lo e combatê-lo.

O racismo é punido por lei desde 1989, representado pela Lei Federal 7.716/19891, que o classifica como crime inafiançável e imprescritível, mesmo assim, por meio do mito da democracia racial, grande parte das pessoas afirma não existir esse tipo de preconceito no país, o que além de preocupante, pode trazer consequências nefastas. Nesse sentido, a desconstrução da falácia da Democracia Racial, proposta nos anos 30 do século XX e baseada principalmente pela obra de Gilberto Freyre, “Casa Grande e Senzala”, é de extrema importância para que seja possível entender que o racismo existe e é responsável por gerar violências físicas e simbólicas à população negra do Brasil.

Dessa forma, a lei 10.639/03 referente a obrigatoriedade do ensino de história da África e de cultura afro-brasileira dialoga fortemente com a lei que criminaliza o racismo, justamente por ser uma medida de valorização da cultura negra, sendo “um dos sinais mais significativos de um novo lugar político e social conquistado pelos chamados movimentos negros e antirracistas no processo político brasileiro, e no campo educacional em especial” (Abreu; Mattos, 2008, p.6). Sendo assim, é impossível pensar na história do Brasil sem discutir as relações raciais e para tanto é preciso sair da explicação genérica e apagadora de violências, representada pela Democracia Racial e pela famigerada Miscigenação de brancos negros e indígenas.

As Diretrizes curriculares nacionais foram primordiais para o ensino de história da África uma vez que: trazem para o âmbito da escola, pela primeira vez, a importante discussão das relações raciais no Brasil e o combate ao racismo, tantas vezes silenciado ou desqualificado pelas avaliações de que o Brasil é uma democracia racial. É importante lembrar, entretanto, que a construção da ideia de democracia racial no Brasil se fez, especialmente a partir das décadas de 30 e 40 do século XX, em oposição às teorias racistas, anteriores e concorrentes, que pregavam o “branqueamento” da população brasileira (Guimarães, 2002: cap. 3). De fato, foi a relativa continuidade entre a ideologia do branqueamento e a noção de democracia racial que fez essa perspectiva ser avaliada, especialmente a partir da década de 1960, como um mito (Fernandes, 1978: 249-269). É o chamado “mito da democracia racial”, um dos eixos centrais abordados e denunciados pelas “Diretrizes”. (Abreu; Mattos, 2008, p.9)

No entanto, para além da perspectiva da denúncia, que não deixa de ter sua importância, a resistência negra também deve ter seu lugar de destaque quando falamos do racismo, afinal é perigoso apenas trazer a faceta da violência, que pode promover fetichizações de corpos negros. Assim, é importante colocar em evidência a história do Movimento Negro Unificado (MNU) surgido em 1978 e tendo como figuras emblemáticas Abdias do Nascimento e Lélia Gonzales.

Nesse sentido, buscamos apresentar em uma de nossas intervenções as formas pelas quais o racismo se apresenta em nossa sociedade e seguidamente, trazer as resistências promovidas contra ele. A escolha dessa temática não foi aleatória, posto que havia sido proposta no próprio caderno dos estudantes, o “Currículo em Ação – segunda série/ensino médio 1º semestre parte 1”, desenvolvido pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, e sendo perscrutado durante todo o bimestre pelo professor regular, Sérgio. Assim, trouxemos uma análise que apesar de dialogar com esse material dos alunos, se diferenciava em termos de crítica e sensibilização.

Ministramos a intervenção por meio de slides com uma explicação majoritariamente expositiva, uma vez que observamos que o novo ensino médio tem uma metodologia, principalmente nas ciências humanas, em trabalhar com temas e conceitos de forma mais pontual, característica que dificulta em alguns aspectos o aprendizado dos discentes, que ficam descontextualizados perante o período histórico que o material aborda. Assim, como ponto positivo conseguirmos afunilar e direcionar bem o conteúdo proposto, prendendo a atenção e participação dos alunos.

Dessa maneira equilibramos um bom tempo de exposição, com momentos de trocas de ideias e dúvidas com os estudantes. Definimos os conceitos e para auxiliar e aproximar o tema dos discentes demos exemplos da atualidade. O uso de livros, personalidades importantes, filmes, dados estatísticos e notícias foi a estratégia escolhida para apresentarmos aos estudantes como identificar esse preconceito que assola nossa sociedade bem como trazer formas de combate a ele com uma educação antirracista.

Os discentes foram bastante participativos, fazendo analogias com conhecimentos prévios e experiências próprias, o que enriqueceu a aula e os auxiliou a entender o conteúdo, que ainda que sensível e delicado, não deve ser deixado de lado. Ademais, buscamos sensibilizá-los com o assunto por meio de perguntas motivadoras e provocativas.

Na segunda parte da aula propusemos uma atividade avaliativa, na qual reunimos um texto retirado da redação da UNICAMP de 2023, um trecho do portal Geledés sobre discriminação racial e duas charges. Todos faziam referência ao tema abordado em nossa intervenção. Com isso, desenvolvemos duas perguntas dissertativas para os alunos responderem. Os estudantes executaram a atividade em torno de 45 minutos e nos entregaram as folhas escritas para posterior correção.

Nossa escolha por uma atividade dissertativa foi tanto com o intuito de avaliar a escrita dos alunos e entender como se desenvolveu seu processo de interpretação e apreensão de conteúdo, quanto dar liberdade aos estudantes para que pudessem apresentar suas reflexões e contribuições sobre o tema apresentado. No entanto, é importante ter em mente que uma atividade escrita dá margem para diferentes interpretações e respostas, que foi o que ocorreu conosco.

1 Vale ressaltar que a primeira lei brasileira a reconhecer e condenar o racismo foi a Lei 1390/51 de 3 de julho de 1951 proposta pelo jurista e historiador Afonso Arinos de Melo Franco e promulgada por Getúlio Vargas em 3 de julho de 1951 proibindo a discriminação racial no Brasil.

Referências Bibliográficas

FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Global Editora e Distribuidora Ltda, 2019.

MATTOS, Hebe Maria; ABREU, Martha. “Em torno das” Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana “Uma conversa com historiadores.” Revista Estudos Históricos 21.41 (2008): 5-20.

– Escrito pelas bolsistas Marina Lahr de Camargo Rovari e Vitória Carolina dos Santos Vilela

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